Corte da Petrobras causa perda de R$ 260 bi no PIB

Segundo estudo do Ministério da Fazenda, redução de investimentos da petroleira tem efeito dobrado na economia

Sede da Petrobras, no Rio de Janeiro – Dado Galdieri / Bloomberg

BRASÍLIA e RIO – A redução no plano de investimentos da Petrobras deve causar um impacto negativo de R$ 260 bilhões na economia brasileira até 2019. O cálculo é baseado em estudo divulgado pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda no fim do ano passado, que estima que cada corte de R$ 1 bilhão nos investimentos da petroleira representa perda de R$ 2 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), incluindo os efeitos indiretos da decisão. A conta leva em consideração a redução nos investimentos de US$ 32 bilhões, ou R$ 130 bilhões, anunciada pela empresa.

O estudo da Fazenda aponta que a queda dos investimentos da Petrobras em 2015 seria a principal responsável pelo tombo da economia. De acordo com o texto, as constantes revisões do plano de negócios da estatal, decorrentes não apenas da conjuntura econômica, mas também da Operação Lava-Jato, fizeram com que a companhia fosse responsável por dois pontos percentuais da queda da atividade econômica no ano passado. Os dados oficiais ainda não foram divulgados, mas o mercado financeiro projeta queda do PIB de 3,71% em 2015. Ou seja, confirmado esse número, a empresa respondeu por mais da metade da recessão.

REDUÇÃO PREOCUPA O RIO

Técnicos do governo lembram que os negócios da estatal têm peso significativo sobre o PIB. De acordo com o mesmo trabalho, de 2010 a 2014, a petroleira respondeu, sozinha, por 8,8% de todos os investimentos no país. Para se ter ideia, as obras da estatal constituíram também nesse período R$ 1 a cada R$ 4 investidos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Segundo a coordenadora de pesquisas da FGV Energia, Lavínia Hollanda, isso ocorre porque a Petrobras costuma movimentar não só negócios diretamente relacionados à atividade de petróleo, mas também uma extensa cadeia produtiva: de fornecedores diretos a prestadores de serviços.

— A Petrobras está presente em praticamente todo o setor de energia. Suponha que a empresa comece a explorar em uma cidade. Além dos empregos diretos, ela vai precisar de serviços indiretos, como fornecedores de equipamentos, sísmica e outras análises. E tem ainda os serviços induzidos, que são negócios, como restaurante, escola, montados para atender a demanda — explica a especialista.

A situação é particularmente preocupante para o Rio, onde 30% do PIB vêm do setor de óleo e gás. A notícia de redução de investimentos foi recebida com preocupação pelo secretário de Fazenda do Rio, Julio Bueno. Em meio à crise fiscal no estado, Bueno lembrou que o novo corte não estava nas contas do governo e deve agravar ainda mais a situação das contas públicas.

O secretário destacou que o estado sentirá não só com a perda de royalties e participações especiais, mas principalmente com arrecadação de ICMS, principal imposto estadual.

— O efeito encadeador da Petrobras é importante. Não consigo mensurar o impacto financeiro do que vai acontecer daqui para frente (até 2019). Isso não estava na conta. A Petrobras está se adequando à nova realidade do preço do petróleo, e isso é muito ruim para o Rio — afirmou Bueno

Bueno disse ainda que a queda do preço da commodity impactará negativamente futuros investimentos no setor no estado. O governo estadual chegou a prever que o barril do petróleo ficasse em US$ 65 dólares, na proposta de Orçamento para 2016, elaborada no ano passado. Hoje, o óleo Brent, referência internacional, é negociado na faixa de US$ 30.

— Isso nos dá muita tristeza também porque a gente já podia ter aberto o setor de petróleo quando estava a US$ 100. Agora, como vai ser? — afirmou o secretário de Fazenda.

Para Lavína, da FGV, mesmo com os efeitos sobre a economia, a decisão faz parte de um ajuste esperado, e necessário, diante da mudança do patamar de preços do petróleo:

— Não é “privilégio” da Petrobras. Empresas internacionais já fizeram o dever de casa e cortaram custo.

DE VOLTA AO PATAMAR DE 2007

O corte nos planos da Petrobras são reflexos da queda do preço do petróleo, dos desdobramentos da Operação Lava-Jato e da alta do dólar. Com o novo ajuste de expectativas, o total de investimentos da Petrobras num horizonte de cinco anos volta ao patamar de 2007, quando a companhia previa aplicar US$ 87,1 bilhões.

Com um endividamento total de R$ 506,6 bilhões, de acordo com dados do terceiro trimestre do ano passado, este foi o segundo corte no plano de negócios em pouco mais de dois meses. O mercado reagiu mal às mudanças. As ações preferenciais (sem voto) da estatal fecharam em baixa de 9,2%, a R$ 5,53. Foi o recuo mais intenso desde janeiro do ano passado e a menor cotação para o papel desde maio de 2004. Em Wall Street, os recibos de ações da Petrobras caíram 5,93%, a US$ 3,49. Em relatório, o Credit Suisse avalia que os papéis negociados em Nova York devem fechar o ano a US$ 2.

Para se ter uma ideia da derrocada das ações neste período, em 2007, o valor de mercado da Petrobras somava R$ 230,4 bilhões. Hoje, a companhia é avaliada em R$ 83 bilhões, uma queda de 64%. Somente neste ano, a Petrobras já viu seu valor encolher R$ 18,24 bilhões.

PARA MERCADO, ESTATAL PRECISA DE CAPITALIZAÇÃO

De acordo com analistas do mercado financeiro, a dificuldade em vender ativos e a geração de caixa deprimida pelo baixo preço do petróleo aumentam a necessidade de uma capitalização da companhia na Bolsa. Embora o presidente Aldemir Bendine já tenha descartando essa hipótese, economistas de bancos e corretoras acreditam que a estatal está ficando sem alternativa para fazer frente a sua dívida. As estimativas de analistas apontam a necessidade de uma capitalização bilionária da União, com projeções que variam de R$ 100 bilhões a R$ 200 bilhões. Se os números são fator de incerteza entre os analistas, há praticamente um consenso de que seria inviável para o governo injetar recursos na estatal neste momento.

— Caso a situação do petróleo não melhore, ela vai ter que realizar uma capitalização no prazo de um a dois anos. Ninguém sabe ao certo, mas estima-se que o valor teria de ser na casa dos R$ 100 bilhões. O grande problema é que o governo, como acionista majoritário, teria de entrar com a maior parte do dinheiro, o que, pela situação fiscal do país, é muito complicado — afirmou um analista, que pediu para não ser identificado

Para Flávio Conde, analista da consultoria WhatsCall, a Petrobras poderia precisar de uma capitalização de até R$ 200 bilhões para reduzir a relação entre a dívida líquida e a geração de caixa, mas um aporte dessa magnitude é considerado inviável:

— Difícil encontrar um investidor disposto a aplicar recursos numa companhia que enfrenta o maior caso de corrupção do mundo, num país em crise política.

Na terça-feira, o desempenho das ações da Petrobras levou a Bovespa a fechar em baixa de 1,09%, aos 39.513 pontos, foi o quinto pregão seguido de recuo. O dólar encerrou em queda de 0,14%, a R$ 4,046 acompanhando a tendência global. Um dos principais fatores de preocupação do mercado foi o corte de 26,3% nos investimentos na área de Exploração e Produção, considerada prioritária. O valor previsto para o período de 2015 a 2019 caiu de US$ 108,6 bilhões para US$ 80 bilhões. Mesmo assim, esse montante ainda representa 81% dos investimentos previstos até 2019.

Como consequência, a meta de produção de petróleo para 2020 foi reduzida novamente. Durante a gestão de Maria das Graças Foster — antes da explosão do maior escândalo de corrupção da companhia, revelado na Operação Lava-Jato — a Petrobras planejava alcançar produção de 4,2 milhões de barris por dia em 2020. No ano passado, já tinha projeção mais modesta, de 2,8 milhões de barris por dia. Ontem, o número foi revisto para 2,7 milhões de barris.

A meta de produção para este ano foi revista para baixo e passou de 2,185 milhões de barris por dia para 2,145 milhões. No ano passado, a companhia bateu recorde de produção de petróleo.

Em relatório enviado aos clientes, analistas do BTG Pactual afirmaram que 2015 foi um ano perdido para a estatal.

“À luz da crise atual, acreditamos que esse ajuste é mais que necessário, mas o fato de que a maioria dos cortes foi em Exploração e Produção nos preocupa”, escreveram. “A despeito dos preços praticados estarem acima da paridade (com o mercado internacional) e da redução do plano de investimento, calculamos que as ações tomadas em 2015 são tímidas se comparadas com o tamanho dos problemas da Petrobras”.

PROJEÇÕES SUJEITAS A NOVAS REVISÕES

No comunicado enviado ao mercado, a própria Petrobras indica que seus planos podem ser revistos porque ela está sujeita a diversos fatores de risco que podem afetar suas projeções, como alterações no preço do petróleo e na taxa de câmbio, venda de ativos e reestruturações de negócios e alcance das metas de produção de petróleo e gás natural em um cenário de dificuldade com fornecedores no Brasil. Ontem, por exemplo, o petróleo chegou a ser negociado abaixo do patamar de US$ 30 ao longo do dia, mas fechou a US$ 30,68. De acordo com os ajustes em seu plano de negócios, a Petrobras prevê um preço médio do barril do Brent, referência do mercado, a US$ 45. Em outubro, ela trabalhava com previsão de preço a US$ 55. No ano passado, a estimativa da cotação era de US$ 70.

As projeções para o dólar também sofreram uma drástica revisão. Em outubro, a estatal trabalhava com câmbio médio para o ano de R$ 3,80. Agora, prevê que a moeda americana seja cotada a R$ 4,06.

Para se ter uma ideia do impacto da combinação dos efeitos da Lava-Jato com a queda do preço do petróleo, a projeção de investimento anual da empresa passou de US$ 44,1 bilhões em 2014, antes da operação da Polícia Federal, para US$ 19,5 bilhões ao ano.

— O grande problema do corte do investimento é que se trata de uma confissão das dificuldades da empresa para o seu plano de venda de ativos e de geração de caixa. Até pouco tempo atrás, os investidores até veriam com bons olhos o corte de investimentos, resultando em uma empresa mais enxuta. Mas com as previsões de que o petróleo pode chegar a US$ 20, desenha-se um cenário que ratifica um futuro muito ruim para o seu produto e o valor dos seus ativos, além de uma menor atratividade do pré-sal — afirmou Maurício Pedrosa, estrategista da Queluz Asset Management.

Meta para 2016: venda de US$ 14,4 bi em ativos

Fachada do prédio da Petrobras, no Rio de Janeiro – Carlos Ivan / Agência O Globo

Um dos desafios da Petrobras para este ano é levantar US$ 14,4 bilhões em venda de ativos. A companhia manteve a projeção de US$ 15,1 bilhões em desinvestimentos para os anos de 2015 e 2016. O problema é que, até agora, só conseguiu obter US$ 700 milhões com a venda de 49% do capital da Gaspetro. Com dificuldade para acessar o mercado de capitais depois de perder o grau de investimento por duas das principais agências de classificação de risco — Standard & Poor’s e Moody’s — a “tábua de salvação” para executar investimentos previstos de US$ 20 bilhões este ano é a venda de ativos.

A lista de ativos à venda é abrangente e inclui desde uma fatia de 49% do capital da Petrobras Distribuidora (BR) até fatias de blocos e campos no pré-sal e no pós sal. A empresa está oferecendo participações nos maiores campos produtores, como de Golfinho, na Bacia do Espírito Santo, e de Baúna, na Bacia de Santos.

Em relatório, analistas do BTG afirmam que, fora das áreas de produção, a Petrobras deveria vender unidades inteiras em vez de participações minoritárias a preços abaixo do ideal.

O mercado avalia que a meta está cada vez mais difícil, considerando os cortes nos investimentos das demais petroleiras. E o Brasil concorre com outros ativos à venda pela Pemex, no México, PDVSA, na Venezuela, e Aramco, na Arábia Saudita.

— Pouca coisa foi feita em relação ao desinvestimento. Até que ponto ela vai conseguir levantar caixa com o petróleo nesses níveis?— indaga João Pedro Brugger, da Leme Investimentos.

Pedido a sócios da Sete: sem recorrer à Justiça

Sonda Urca, da Sete Brasil, para atuar na exploração do pré-sal – Agência O Globo

Após reduzir o volume de encomendas das sondas do pré-sal de 28 para 14, a Petrobras fez outra exigência aos acionistas da Sete Brasil. Para assinar o contrato definitivo de afretamento das sondas, a petroleira tentou incluir uma cláusula na qual os sócios se comprometeriam a não processar a estatal pelas perdas em razão da redução do projeto.

De acordo com uma fonte a par das negociações, os acionistas de Sete já registram perdas de 40% a 50% do que investiram na época da criação da companhia, em dezembro de 2010. A empresa nasceu com o objetivo de encomendar a construção dessas sondas a estaleiros nacionais e alugá-las à Petrobras como forma de estimular o setor naval.

Entre os sócios estão os fundos de pensão das estatais, como Previ (do Banco do Brasil), Petros (da Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal), e FI-FGTS, Santander, BTG Pactual, entre outros. A Petrobras é dona ainda de cerca de 10% da Sete Brasil.

— Tudo que a Petrobras vinha pedindo, a Sete vinha aceitando. Mas, agora, a estatal pediu que os acionistas não entrem na Justiça no futuro questionando possíveis perdas em relação ao que já foi investido devido à renegociação do volume de encomendas, além dos atraso em assinar os novos contratos — disse essa fonte, que não quis se identificar. — É como se fosse uma espécie de quitação do passado sem direito a questionamento no futuro.

Segundo essa fonte, os acionistas da Sete Brasil não concordaram com a proposta da Petrobras, que foi apresentada pela área de Exploração e Produção da companhia. Procuradas, a Petrobras e a Sete não quiseram comentar. Se não houver acordo, a Sete Brasil cogita entrar com pedido de recuperação judicial.

— Agora, a Sete Brasil vai ter uma reunião de acionistas no dia 21 deste mês. Talvez se encontre um caminho com a Petrobras e se consiga mais espaço, talvez de 60 dias. A recuperação judicial seria pior para todos — destacou essa fonte.

PROVISIONAMENTO DE R$ 1,4 BI

Essa fonte lembrou que os acionistas ainda projetam uma vida útil de 15 anos para as sondas para obter parte do retorno do capital investido no projeto. Enquanto o contrato definitivo não sai, os acionistas vêm publicando em seus balanços provisões para as perdas esperadas no projeto. FI-FGTS, Santander e BTG Pactual já fizeram provisões contra perdas, somadas, de R$ 731,132 milhões em seus balanços financeiros. A Petrobras também já provisionou outros R$ 676 milhões em seus resultados financeiros. Ou seja, as provisões somam cerca de R$ 1,4 bilhão. Previ, Petros e Funcef ainda não publicaram provisões em seus balanços.

A crise na Sete ganhou fôlego depois que o nome da empresa apareceu na Operação Lava-Jato, e o BNDES suspendeu um financiamento de quase US$ 10 bilhões. Com isso, a empresa vem recorrendo a empréstimos em bancos, com dívidas que somam R$ 17 bilhões.

Fonte: O GLOBO

http://oglobo.globo.com/economia/corte-da-petrobras-causa-perda-de-260-bi-no-pib-18461265


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