Entrevista: Prof. Dr. Jaime Amorim fala sobre um ano da pandemia

O pesquisador coordena os trabalhos no laboratório da UFOB desde maio de 2020 e recentemente descobriu novas variantes do vírus na região Oeste da Bahia.


Prof. Dr. Jaime Henrique Amorim.

Ivana Dias

Há mais de um ano o primeiro caso de covid-19 (Sars-CoV-2) foi detectado e surpreendeu o mundo. No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou oficialmente a pandemia da Covid-19.

De acordo com informações da Secretaria Municipal de Saúde de Barreiras, até o dia 17 de Março de 2021, o município contabilizou 27.847 casos notificados, sendo que o primeiro foi notificado no Sistema e-SUS VE foi em 26 de março de 2020; 9.986 casos confirmados por Teste Rápido e RT-PCR, destes 9.651 estão recuperados; 206 estão em isolamento domiciliar; 14 pacientes internados e 115 óbitos. Somam 138 os casos que aguardam resultados.

O Laboratório de Agentes Infecciosos e Vetores da UFOB, tem operado desde o dia 12 de maio de 2020 no diagnóstico molecular da COVID-19, para toda a região. Além do serviço prestado com os exames produzem também, pesquisas com aplicação em saúde pública. Todo o trabalho é coordenado pelo Prof. Dr. Jaime Henrique Amorim, nosso entrevistado dessa matéria, para falar sobre o trabalho que tem realizado no LAIVE .

 

O LAIVE chegou à marca de 10.000 exames de diagnóstico da COVID-19.

 

Jornal Gazeta do Oeste – Já estamos vivendo um ano de pandemia, como o Doutor avalia a atual situação da Covid-19 em Barreiras e região?

Jaime Amorim – O primeiro caso de Covid-19 no Oeste da Bahia foi notificado em março de 2020, tem um ano que a pandemia chegou aqui na região. A avaliação aqui na região de Barreiras é semelhante ao que a gente verifica em outros locais do Brasil e do mundo. A solução pra essa pandemia é a vacinação, a imunização, infelizmente não temos nenhuma droga que possa ser utilizada com eficácia alta em tratamento. De qualquer maneira mesmo que tivéssemos uma droga disponível no mercado seria complicado indicar o uso principalmente para tratamento, porque em doenças infecciosas desse tipo, que se espalham com muita velocidade a melhor estratégia sempre é a prevenção, não é o tratamento. Trata-se de um vírus respiratório que se espalha com muita eficiência e para contermos precisamos vacinar a população. Na ausência das vacinas a solução é usar o que a gente chama de intervenções não farmacológicas – higienização, distanciamento físico, uso de máscaras e  levar em conta que uma doença infecciosa e respiratória, tem uma característica predominante de virose respiratória por isso temos que manter o distanciamento físico e usar máscaras, porque transmitimos principalmente no momento em que temos esse tipo de contato.

 

JGO – O que fazer para reduzir a transmissão?

JA – A pessoa infectada está cheia de vírus no trato respiratório e ao falar, tossir, respirar, ela vai expelir gotículas de salivas com secreção que contêm varias partículas virais e isso é transmitido pelas pessoas que tiverem próximo. Para diminuir a transmissão os cuidados são o uso de máscaras para barrar as emissões de partículas virais da fala, espirro ou tosse e até mesmo da própria respiração, distanciamento físico, higienização das mãos e não aglomerar. O vírus só para de circular quando você tem imunidade a ele e até isso acontecer de forma natural é necessário que uma grande parcela da população tenha entrado em contato com o vírus para se tornar imune. No caso da Covid – 19, os estudos já mostram que pra ter imunidade de rebanho é necessário que 70% da população já tenha tido contato com o vírus, isso é muito. E também é muito arriscado adotar uma estratégia de deixar o curso natural da infecção da população acontecer pra que a imunidade de rebanho seja atingida. Até chegar aos 70% de contato muita gente vai adoecer, vai morrer. Não é uma estratégia viável, a estratégia viável é vacinar a população.

 

JGO – Como está sendo realizado o estudo de Vigilância Genômica do Coronavírus?

JA – O estudo de vigilância genômica funciona da seguinte maneira: nosso laboratório na UFOB presta serviço à população do Oeste da Bahia com a realização de exames especializados para a Covid-19, a chamada RTPCR, que é o exame para detectar o vírus nas amostras provenientes dos pacientes. Além de o laboratório oferecer o serviço na forma de Extensão Universitária, também conduzimos pesquisas com as amostras armazenadas no laboratório. Escolhemos algumas amostras que são positivas para fazer o sequenciamento do material genético do vírus, assim conseguimos conhecer todo o material genético do vírus. Dessa forma verificamos se tem algum mutante ou vírus que sofreu mutações e estudar o que essas mutações conseguem causar, o que leva um pouco de tempo. A vigilância genômica é baseada no conhecimento do genoma do vírus, a sequência do material genético daquele vírus, quais são os genes dele, se estão de acordo com os originais que surgiram na China ou se esses genes já sofreram modificações, se já foram mudados.

 

JGO – As medidas estratégicas de combate ao vírus estão adequadas?

JA – As medidas de estratégia em combate ao vírus não estão adequadas, mas isso não é uma exclusividade da nossa região, infelizmente temos no Brasil e em outros países uma dificuldade muito grande em aderir às estratégias de combate. As estratégias de combate são simples, mas seguir é difícil, porque requer distanciamento físico e isso em vários desdobramentos sociais. É difícil ficar afastado da família e dos amigos, requer o uso de máscaras e muita gente se incomoda, mas é uma das medidas mais eficientes para manter o controle e a higienização. Sobre a higienização finalizamos um estudo que em breve iremos divulgar os resultados, mas vamos adiantara aqui – os principais métodos de controlar o vírus são o distanciamento físico, não aglomerar, não ficar em lugar fechado com um monte de gente e usar máscara, isso é o principal. O que verificamos no dia a dia é uma baixa adesão dessas medidas, tanto da população tanto pelo poder público. É claro que estamos vivendo o lockdow e alguns dias de restrição, mas há algumas semanas atrás se a gente for observar não estávamos vivendo isso. Estávamos vivendo um relaxamento muito grande nesse sentido, então as medidas de contenção não estão adequadas, por exemplo, toque de recolher até às 5 horas não resolve muita coisa, as medidas de contenção partidas do Poder Público devem visar restrição de aglomeração, se bares e restaurantes são liberados – lugares em que as pessoas vão confraternizar e se aproximar, não vão usar máscara, isso tudo facilita a transmissão do vírus.

 

JGO – Quantos exames já foram realizados no LAIVE?

JA – No início deste mês o LAIVE chegou à marca de 10.000 exames realizados, operando desde o dia 12 de maio de 2020 no diagnóstico molecular da COVID-19 para o Oeste da Bahia. Além do serviço prestado com os exames, o laboratório tem qualificado profissionais da região e produzido pesquisas com aplicação em saúde pública, o que constitui um legado.

 

JGO – Em fevereiro/2021 foi detectada a nova variante do Coronavírus aqui em nossa região. Como explicar o que é essa variante? Qual a diferença em relação ao vírus que já existia?

JA – A nova variante que foi detectada por nosso laboratório é um mutante do Coronavírus chamada de P2, até onde se sabe ela surgiu no Brasil, no Rio de Janeiro e chegou aqui na região. Conseguimos verificar a presença dela nas amostras de alguns pacientes daqui e estamos tentando investigar como esse vírus chegou aqui na região. Essa variante tem uma mutação na superfície do vírus que transfere a ela maior transmissibilidade, ela é mais contagiosa. Alguns estudos também indicam que ela pode comprometer a resposta imunológica a alguns anticorpos, podem deixar de ligar no vírus e neutralizá-lo por conta dessa mutação, poderia também ter a capacidade de escape a resposta imunológica, mas isso precisa ser melhor investigado e as pesquisas vão dar essas respostas. Ainda não temos nenhum indício que ele seja mais letal, sabemos que é mais transmissível, temos que ter muito cuidado. Por mais que ele não seja mais letal, somente por ser mais transmissível podemos ter um problema sério, porque se ele é mais transmissível irá se espalhar com maior velocidade, então podemos ter um aumento do número de casos muito rápido e quando têm muitos casos concentrados em um período curto aumenta a possibilidade de uma parte desses casos evoluírem pra uma forma mais graves. Quanto mais casos de Covid maior a probabilidade de ter formas graves. Temos que ter cuidado, mas não precisa de pânico. Temos que levar a sério as medidas de contenção da Covid, como o vírus é mais transmissível podemos ter uma onda forte com muitos casos graves e óbitos, devido à capacidade de transmissão ser aumentada.

 

JGO – Essa variante já existia em algum outro local do país?

JA – Esse mutante é brasileiro se originou no Rio de Janeiro. Estamos acompanhando o movimento pelo país junto a colegas de outras universidades, temos relato dela no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, aqui na região Oeste da Bahia, mas como o sequenciamento demora um pouquinho pode ser que ela tenha se espalhado por várias regiões do país. O que temos observado nas pesquisas da nossa região é que muitas vezes os agentes infecciosos chegam aqui com um pouco de atraso, por ser uma região que tem uma grande distância dos grandes centros e muitas vezes isso dificulta a chegada das doenças. Os variantes genéticos também vão chegar, só não chegariam se adotássemos uma estratégia de fazer um isolamento da região para impedir a chegada de novos vírus agentes causadores de novas doenças, mas ela já está em outros locais do país.

 

Pesquisas feitas no LAIVE tem identificado novas variantes genéticas da COVID-19.

 

 

JGO – Já está comprovada a transmissão comunitária?

JA – O grupo de pesquisa concluiu análises indicando a detecção da variante genética P2 vinda do Rio de Janeiro, em 19 de 20 amostras estudadas por sequenciamento genético, coletadas em pacientes de Barreiras em fevereiro de 2021. Além disto, a variante P1 também foi detectada em uma das mesmas 20 amostras. Estes resultados indicam que o variante P2 já se espalhou pela cidade e provavelmente pela região Oeste, por meio de transmissão comunitária. E que o variante P1 foi introduzido na região Oeste da Bahia, com possibilidade de também já estar se propagando por meio de transmissão comunitária. Os variantes citados têm a capacidade de serem transmitidos com maior eficiência e velocidade, o que pode ocasionar uma crescente de casos, assim como tem acontecido em outras regiões da Bahia e do Brasil. Precisamos redobrar os cuidados e as práticas de controle da pandemia.

 

JGO – Como ocorre o surgimento de uma nova variante?

JA – Os vírus tem uma forma diferente de se reproduzir, eles não são considerados organismos vivos, mas se multiplicam dentro do organismo do hospedeiro, da nossa célula, dentro de nós. Quando ele vai se reproduzir tem que fazer uma cópia do material genético, várias cópias e transmitir para a prole, para o vírus filho. Nesse processo de fazer a cópia podem acontecer erros na sequência do material genético, então se ele erra quando vai fazer essa síntese de cópia genética aparecem às mutações e essas mutações é que levam ao surgimento de novas variantes. A variante genética nada mais é do que um mutante em relação ao vírus original, parental. Essas mutações serão selecionadas de acordo com o que o vírus vai encontrar no ambiente, pode ser uma mutação muito ruim para o vírus, caso ele não consiga se replicar e ir adiante ou pode ser uma mutação que dê uma vantagem, como nesse caso que estamos conversando.

 

JGO – As consequências da contaminação pela variante P2 são mais agravantes?

JA – O variante P2 é mais transmissível, não está relacionado a mais letalidade. Temos que ter cuidado porque se ele transmitiu muito rápido teremos mais casos positivos e assim teremos maior probabilidade de casos graves e óbitos, então temos que tomar os cuidados que a gente já conhece pra controlar o vírus.

 

JGO – Quantos casos com a nova variante P2 já foram identificados aqui na região até a atual data? São de quais localidades do Oeste?

JA – Aqui na região identificamos quatro casos com essa variante P2 – dois casos de Barreiras, um de Santa Rita, o que detectamos primeiro em dezembro de 2020 e, um de Angical.

 

JGO – Quais medidas foram tomadas em relação às pessoas infectadas por essa variante? Os procedimentos são os mesmo?

JA – As medidas em relação a essas pessoas infectadas por essa variante são as mesmas em relação aos vírus parentais, as vigilâncias epidemiológicas dos municípios têm trabalhado muito bem nesse sentido, quando tem um caso suspeito ou positivo, tem todo um protocolo de colocar a pessoa em quarentena e ficar isolado justamente para impedir a propagação desse vírus. Os procedimentos são os mesmos e não tem diferença em relação a essa variante. Se forem tomados de maneira correta eles funcionam.

 

JGO – A vacina terá a mesma eficácia nesses casos também?

JA – Com relação à eficácia da vacina temos que aguardar alguns estudos, até onde sabemos a principal mutação da variante P2 confere a um potencial de escapar da resposta imune, por que já foi provado que com essa mutação alguns anticorpos deixam de ligar no vírus por conta dessa mutação. Isso foi feito em experimento de laboratório, temos que ver em campo com estudos clínicos se isso e traduz na diminuição da eficácia da vacina. De qualquer maneira a gente tem que continuar tomando as vacinas, elas podem até não conseguir controlar essas variantes novas, mas controlam as antigas, dá imunidade, o que é importante no contexto de controle da pandemia. À medida que os cientistas vão pesquisando descobrem os mutantes, então, passamos essa informação para quem está trabalhando na produção das vacinas, que podem ser atualizadas em relação aos mutantes. Já acontece com outras doenças como a Influenza, a Gripe H1 N1, a vacina teve que ser atualizada porque os vírus da gripe também tem a capacidade de mutação muito forte, tem que atualizar a vacina praticamente todo ano. A área biomédica já tem essa escola de conhecimento, os vírus respiratórios que mudam muito, é importante a vigilância genômica pra conhecer os mutantes e atualizar as vacinas em função deles.

 

JGO – O que fazer referente à transmissão comunitária?

JA – Em relação à transmissão comunitária não tem segredo, se todas as medidas de contenção do vírus forem levadas a sério devem dar um retorno, porque o distanciamento físico e o uso de máscara reduz a circulação do vírus, paralelamente a isso entra com a vacinação, protegendo a população, os mais idosos – que são os mais vulneráveis. Não tem diferença de estratégia diante das variantes de vírus mais antigos, é uma variante nova, mais transmissível e a única coisa que poderíamos fazer diferente é adotar medidas mais restritivas, mas se a população colaborar nem seria necessário, pois sabemos que a solução pra controlar o avanço do vírus é uso de máscara em termos de intervenções não farmacológicas e se tivermos um distanciamento físico dá tempo das vacinas funcionarem. Temos que lembrar, que como as variantes são mais transmissíveis elas têm capacidade de se transformar mais rápido, temos que levar mais a sério ainda as estratégias, se não tiver disciplina a variante terá potencial de se espalhar muito mais rapidamente, podemos ter uma onda muito forte com P2.

 

JGO – Até que ponto a nova variante atrapalha o controle da pandemia?

JA – Essas novas variantes atrapalham o controle da pandemia porque são mais transmissíveis e se espalham mais rápido. Em termos de pesquisas temos que atuar de maneira mais célere e sequenciar esses vírus muito rapidamente. Não é fácil trabalhar com sequenciamento genético, mas temos que acelerar o trabalho e isso é importante, dá uma resposta o mais próximo do tempo real possível.


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