Brasileiros contam como é usar nota do Enem para estudar em Portugal

Variação da língua e contas em euros são desafios, dizem eles.
Para se manter na Europa, economizam antes ou recebem ajuda dos pais.

Brasileiros que ingressaram em universidades portuguesas por meio da nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) se dizem motivados pela tradição, cultura e experiência no exterior.

Mas descobrem no caminho que a língua portuguesa, em sua variante europeia, pode oferecer dificuldade de compreensão no início.  E que o custo em euro exige organização da família e apoio financeiro.

O G1 conversou com cinco brasileiros que decidiram fazer a graduação no exterior.

Orion Júnior, depois de sonhar com a biblioteca da Universidade de Coimbra, conhece o espaço na sessão de acolhimento. (Foto: Arquivo pessoal)Sonho realizado
Ainda aqui no Brasil, o quarto do estudante Orion Júnior tinha um foto da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, de Portugal. O jovem, nascido em Batatais, no interior de São Paulo, imprimiu a imagem no teto para observá-la diariamente. Foi uma estratégia para se manter focado em realizar o sonho de estudar na instituição de ensino lusitana.

Em agosto de 2014, ele conseguiu realizar seu objetivo: estava em frente à universidade, pronto para iniciar o curso de licenciatura em direito. Ficou trinta minutos ao lado do pai, que viajou com ele para a Europa, observando a entrada da construção. “Chorei, não conseguia acreditar, foi muito emocionante”, conta Júnior, aos 22 anos.

Assim como ele, outros 295 brasileiros ingressaram na Universidade de Coimbra usando a nota do Exame Nacional do Ensino Médio. A possibilidade de estudar em Portugal por meio do Enem começou em 2014, quando o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) firmou uma parceria com instituições de ensino de lá.

Além de Coimbra, é possível também se candidatar a vagas na Universidade do Algarve, na Universidade da Beira Interior (UBI), na Universidade de Aveiro, na Universidade de Lisboa e nos Institutos Politécnicos de Leiria (IPL), de Beja (IPBeja), de Barcelos (IPCA), de Coimbra, da Guarda, do Porto (IPP)  e de Portalegre.

Cada uma delas segue um procedimento diferente para selecionar alunos a partir do Enem. As universidades especificam uma nota mínima no exame (em alguns casos, com pesos diferentes para cada matéria), o número de vagas disponíveis para estrangeiros nos cursos e os documentos necessários para a candidatura.  Na Universidade do Algarve, por exemplo, é preciso ter o mínimo de 500 pontos na redação e pelo menos 475 em cada uma das outras provas.

Por que Portugal?
As razões que levam brasileiros a escolher Portugal como destino incluem, por exemplo, a tradição das universidades lusitanas. Júnior já cursava direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, instituição de ensino particular de São Paulo, e trabalhava como escrevente no Quinto Registro de Imóveis de São Paulo.

Tâmela Grafolin e Fabio Giacomelli estranharam as baixas temperaturas da Covilhã, cidade onde fica a Universidade da Beira Interior. Na foto, está a Serra da Estrela após ser coberta por neve. (Foto: Arquivo pessoal)

Tâmela Grafolin e Fábio Giacomelli estranharam as baixas temperaturas da Covilhã, cidade onde fica a Universidade da Beira Interior. Na foto, está a Serra da Estrela coberta por neve (Foto: Arquivo pessoal)

“Tinha um emprego estável. Até hoje, me questionam se fiz a coisa certa. Mas até meu chefe me apoiou, porque sabe que a Universidade de Coimbra é conceituada”, conta. “Ela é relevante no contexto mundial, ainda mais considerando a importância do Centro de Estudos Notariais e Registais da faculdade de direito”, justifica.

Tâmela Grafolin, de 24 anos, escolheu fazer mestrado na Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã, ao saber do corpo docente da instituição. Ela é graduada em jornalismo pela Universidade Federal do Pampa (RS) e, durante o trabalho de conclusão de curso, ficou interessada na área de pesquisa acadêmica.

Os professores da universidade brasileira comentaram com ela que Antonio Fidalgo e João Carlos Correia, pesquisadores frequentemente citados nos estudos de comunicação no Brasil, dão aulas na UBI. “É uma universidade nova, mas com nomes importantes”, diz.

Outro motivo que atrai brasileiros para estudar em Portugal é o idioma. Rafhael Xavier, de 22 anos, estava no primeiro semestre de engenharia no Instituto Federal de Mato Grosso, em Cuiabá. Conversando com um colega, mencionou a vontade de estudar no exterior.

“Eu queria algo que fosse em conta e que não oferecesse restrições pela língua. Aí concluí que Portugal seria a melhor opção”, diz.

Rafhael entrou em contato com várias universidades portuguesas que aceitam o Enem como forma de seleção. “A Universidade da Beira Interior foi a que retornou mais rápido para tirar as minhas dúvidas. Me candidatei e fui aprovado na licenciatura em engenharia eletrotécnica e de computadores.

Entrada da Universidade da Beira Interior. (Foto: Arquivo pessoal/Fabio Giacomelli)Idioma
Apesar de os brasileiros procurarem as universidades de Portugal pensando na facilidade do idioma, surpreendem-se com a dificuldade de compreender o que os portugueses falam, ao menos no início. A língua portuguesa falada e escrita no Brasil se difere em aspectos de construção de frases, de expressões, de pronúncia, de ritmo e de vocabulário.

Rafhael conta que, nas duas primeiras semanas, precisava se esforçar para compreender o que os professores diziam. “Nesse começo, eu também repetia para eles entenderem. Combinamos de usar o menos possível de gírias, para facilitar. Depois, me acostumei.”

Tâmela também notou como a diferença do português de Portugal fica mais evidente no começo. Na primeira semana de aula, os professores falaram à turma: “Semana que vem, teremos a frequência”. Ela imaginou que fosse uma espécie de controle de presença. “Descobri que frequência significa prova. E faltavam só três dias para o teste”, relembra, rindo.

Na UBI, onde a jovem faz mestrado, atualmente há 216 estudantes brasileiros nos cursos de graduação e pós-graduação. Os professores, portanto, se adaptaram em alguns aspectos. “Nós não precisamos escrever em português de Portugal. Somos avaliados da mesma forma que os demais, sem sermos prejudicados por isso”, diz Tâmela. “Depois de algumas semanas, acostumamos o ouvido.”

Recepção
Ana Spinelli, de 19 anos, está há um mês na Universidade de Coimbra, no curso de licenciatura em direito. Quando sua família soube da aprovação, não acreditou. “Eu comecei a chorar, fiquei eufórica pela conquista, mas muito ansiosa pela mudança. Meu pai custou a entender que era de verdade”, conta.

Ana Spinelli registra a frente da Universidade de Coimbra, em Portugal, onde estuda direito. (Foto: Arquivo pessoal)

Ana Spinelli registra a frente da Universidade de Coimbra, em Portugal, onde estuda direito (Foto: Arquivo pessoal)

Apesar das saudades que Ana sente, ela garante que foi bem recebida. Em Coimbra, há um ritual de recepção aos calouros. “Acontece uma serenata, nós escolhemos padrinhos e madrinhas que nos acompanharão até o fim do curso”, diz. “Se quisermos, podemos fazer parte de irmandades. Aí, ao longo do ano, acontecem jantares e festas com esses grupos. É mágico ver a paixão que os alunos sentem pela universidade”, conta Ana.

De acordo com a jovem, Coimbra é uma cidade universitária – aos fins de semana, a maioria dos portugueses volta às suas casas, para rever as famílias. A diversão, por isso, costuma acontecer às terças e quintas-feiras, quando as ruas da cidade são tomadas por jovens que saem para festas. “Mesmo sendo durante a semana, ninguém falta no dia seguinte”, diz.

Para Tâmela, que foi à cidade de Covilhã estudar com o namorado, o também jornalista Fábio Giacomelli, os primeiros dias não foram tão simples. “Mesmo acostumados com o frio do sul do Brasil, estranhamos a baixa temperatura de Covilhã. Foram 10 dias seguidos só de chuva. Ficamos com medo de ter escolhido o destino errado, mas isso passou depois do período de adaptação”, conta Fábio.

Júnior participa de uma das cerimônias da Universidade de Coimbra: a Queima das Fitas 2015. (Foto: Arquivo pessoal)Dicas para brasileiros
Para ajudar os demais brasileiros que gostariam de ter mais informações sobre estudar na Universidade da Beira Interior, Fábio e Tâmela criaram um blog chamado Brasileiros na Covilhã.

“Nossa ideia é ser uma coisa de brasileiro para brasileiro, para tornar tudo mais acolhedor. É uma página simples, mas com espaço para respondermos dúvidas sobre coisas do cotidiano, como dicas de onde comprar comida à noite, em uma cidade em que tudo fecha tão cedo”, diz Fábio.

Ele também conta que os pais de jovens que pretendem se candidatar a vagas na universidade portuguesa os procuram. “Eles perguntam se a cidade é tranquila e segura, se vale a pena. É exatamente no que nossos pais pensavam quando viemos para cá”, completa o jornalista.

Custos
Com o visto de estudante em Portugal, não é possível trabalhar no país. Por isso, a experiência fica restrita àqueles que têm condições financeiras de pagar as mensalidades e as demais despesas. A cidade em que a pessoa morará e o padrão de vida que deseja ter fazem com que o valor médio gasto mensalmente varie.

No caso de Rafhael, o curso de licenciatura em engenharia eletrotécnica para estrangeiros sairia por 5 mil euros anuais (aproximadamente R$ 22 mil), parcelados em dez vezes. Ele conseguiu uma bolsa de estudos e passou a pagar o mesmo que os portugueses – 1037 euros por ano (cerca de R$ 4.500). Além desse gasto, seu pai envia de 300 a 400 euros por mês (R$ 1.350 a R$ 1.750) para despesas como aluguel e alimentação.

Júnior e Ana, que estudam na Universidade de Coimbra, gastam um valor um pouco mais alto. De acordo com o jovem, o custo da faculdade é de 7.000 euros anuais (R$ 30.700), com mais 20 euros de inscrição. Mensalmente, ele precisa de 800 euros (R$ 3.500) para pagar aluguel, luz, conta de água, alimentação e livros. Ana recebe ajuda de 500 euros por mês (R$ 2.100), para as mesmas despesas.

Júnior recebe a visita do pai e do irmão em Coimbra. Eles posam em frente à escadaria principal e o frontispício da Faculdade de Direito da UC. (Foto: Arquivo pessoal)Na Universidade do Algarve, o valor anual pago por 21 dos 50 brasileiros que estudam na graduação varia de 1750 (R$ 7.700, como em ciências da comunicação) a 3500 euros (R$ 15.300, em arquitetura paisagista, por exemplo), em oito prestações. O restante tem anuidade reduzida de 1000 euros.

Já no Politécnico de Leira, os estudantes estrangeiros têm anuidade de 2.000 a 4.000 euros (R$ 8.800 a R$ 17.600) na graduação. Aqueles que se destacarem por bom desempenho acadêmico podem conseguir desconto de 50% no valor.

Vale a pena?
Ana recomenda a experiência de estudar em Portugal. “O ponto forte é a cultura. Podemos conviver com pessoas do mundo inteiro. Percebo que já amadureci”, diz. “Meus professores em direito são referências e trazem uma vivência que enriquece muito as aulas.”

Rafhael concorda que o ponto forte seja conhecer novas culturas, mas não vê vantagens na questão do ensino. “A graduação não é tão superior, nada de outro mundo. Recomendaria, em vez de fazer a faculdade inteira, viajar por 6 meses como intercâmbio”, afirma.

Fonte: G1

http://g1.globo.com/educacao/enem/2015/noticia/2015/12/brasileiros-contam-como-e-usar-nota-do-enem-para-estudar-em-portugal.html


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